A escola é um ambiente que reúne variados saberes, de conhecimentos lógicos matemáticos aos que se referem a áreas humanas, através de profissionais especialistas nas diversas disciplinas. Cada um com seu potencial voltado para a especificidade que o leva a compreender o mundo, o homem e suas relações.
É neste panorama, complexo e diverso, que a gestão pedagógica educacional tem como função conectar estes saberes de forma que se complementem e se ampliem. Esta não é uma tarefa fácil e não possui uma receita ideal para sua efetivação, mas através da análise da estrutura física, das pessoas envolvidas e dos objetivos esperados, pode-se pensar recursos e métodos que mais se adequem ao contexto em questão.
A luz dessa perspectiva, este estudo busca nas comunidades de práticas meios para oportunizar tempos e espaços adequados para que o grupo discuta sobre suas ações pedagógicas. Para tanto, utiliza-se do aporte em produções científicas, e, principalmente, nos conhecimentos de seus pares novos entendimentos e comportamentos sobre sua realidade.
O conceito de comunidade de prática nasceu na antropologia e teoria social, através de tentativas de compreender a natureza social do ser humano tendo como precursores Jean Lave, Pierre Bourdieu, Anthony Giddens, Michel Foucault, e Lev Vygotsky. Uma comunidade de prática pode ser vista como um sistema social simples, e um sistema social complexo constituído por comunidades de práticas inter-relacionadas (Wenger, 2010b).
As educadoras Aline Nichele e Karen Borges enriquecem esta investigação da seguinte forma:
"Uma comunidade de prática é formada por um grupo de indivíduos que compartilham objetivos em comum, um conjunto de problemas ou o interesse em um tema específico, que se reúne para realizar objetivos individuais e do grupo. As comunidades de prática frequentemente focam em compartilhar boas práticas e criar novos conhecimentos para melhorar uma prática profissional" (NICHELE; BORGES, 2015, p. 131).
Dessarte, esse processo é dinâmico e ativo de tal forma que busca harmonizar a teoria com a prática docente. Pois, a bagagem teórica que os professores trazem para sala de aula e as vivências que ocorrem no contexto escolar precisam convergir para existir uma comunidade, ou seja, um sistema de aprendizagem social (WENGER, 2010a).
Nesse intento, os sujeitos tornam-se parceiros de aprendizagem. Tal parceria pode ser colaborativa e harmoniosa ou tempestuosa e cheia de conflitos (WENGER, 2010b). A participação com engajamento, a imaginação e o alinhamento ao contexto são fatores que vão caracterizar a identificação dos participantes com a comunidade, ou não, pois “os professores podem se identificar (ou desidentificar) com os professores em escola, distrito, região, disciplina, país e até com todos os professores do mundo” (WENGER, 2010b, p. 185). Portanto, a confiança pode ser um elo determinante para o sucesso da comunidade, uma vez que, o docente confie que as discussões realizadas entre seus pares, tenham potencial de aprendizado.
As comunidades de prática podem ser presenciais ou virtuais, no caso de o grupo ter horários que não são compatíveis ou trabalhar em escolas diferentes, pode-se utilizar da tecnologia digital como apoio para diminuir as lacunas espaço temporais. Entretanto, cabe ressaltar cuidados com tensões que podem emergir com o uso das tecnologias, segundo Etienne Wenger:
"A tecnologia pode aumentar o caráter individual da experiência da comunidade. [...] aumenta a possibilidade de interpretações divergentes e amplia a gama de níveis de participação e comprometimento. As comunidades não podem esperar ter toda a atenção de seus membros, nem podem assumir que todos eles têm os mesmos níveis de comprometimento e, portanto, as mesmas necessidades" (2005, p. 02).
Não obstante, o dualismo entre indivíduos e tecnologia por vezes será pauta de encontros e reuniões docentes na contemporaneidade, como exemplo do citado, em mensagens eletrônicas o sentimento pode não ser transmitido de acordo com a intencionalidade do transmissor. Entretanto, este estudo compreende que a ciência e a tecnologia instrumentalizam a luta pelas causas dos homens (FREIRE, 1983).
A instrumentalização referida pode se dar através de ambientes digitais que promovam a interação entre os docentes: para discutir questões, concordar e discordar, fazer brainstorming, trabalhar em tarefas, fazer e responder perguntas. Assim como para produzir, compartilhar e coletar artefatos relevantes para sua prática, os membros precisam organizar repositórios comunitários, bem como, possuir acesso individual a eles (WENGER, 2005). Desta forma, o potencial das tecnologias digitais é característico de contextos colaborativos.
Neste ponto, cabe ressaltar que a escolha da palavra colaboração, em detrimento de cooperação ou coordenação deu-se pelo fato de que este estudo as compreende como processos para alcançar a colaboração[1], como discorre o professor Marcelo Schmitt:
"[...] para um grupo colaborar, deve existir três atividades: comunicação, coordenação e cooperação. A comunicação é a troca de informação entre os membros do grupo de ferramentas síncronas ou assíncronas. A cooperação é operação conjunta em um espaço compartilhado em que ocorre a manipulação de objetos que corresponderão aos produtos desejados. A coordenação organiza o grupo em termos de planejamento e gerenciamento do andamento das tarefas" (2011, p. 24).
No cotidiano escolar as atividades citadas não são realizadas de forma separada, ocorrem, concomitantemente, num processo guiado pelas intenções e compromissos dos envolvidos. Assim, fomentam-se as habilidades do grupo quanto à reflexão, argumentação e autonomia, a fim de que os conhecimentos sejam construídos de forma colaborativa.
Portanto contextos colaborativos são compreendidos, nesta investigação, como: ambientes que promovem a interação entre os docentes, um intercâmbio de saberes a fim de realizar construções coletivas. Neste aspecto, a professora Ana Maria Veiga Simão salienta que esta perspectiva contribui para o crescimento profissional do professor “quando é valorizado um trabalho colaborativo, em que existe uma constante interação que permite a partilha de experiências de sucesso e aprendizagem com os erros de seus pares” (VEIGA SIMÃO et al. 2009, p. 66). Tais experiências ultrapassam os muros da escola e vão além, pois, enriquecem toda a comunidade educativa, através de análises e observações conjuntas do dia-a-dia escolar, na reflexão coletiva sobre as intempéries e desafios que enfrentam cotidianamente, e na busca colaborativa de mais informações, gerando assim novos conhecimentos profissionais (VEIGA SIMÃO et al. 2009).
Uma vez que, o contexto de trabalho docente está em constante mudança, pois é influenciado pela economia, política e os acontecimentos ao redor da escola, a formação dos educadores torna-se um processo permanente (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012). A formação inicial e continuada de professores é espaço legítimo para a construção de aprendizagens pelos educadores, pois reúne o grupo escolar em prol dos objetivos pedagógicos da instituição.
Por Greyce Rodrigues
[1] A nomenclatura escolhida tem por base o Modelo 3C (FUKS et. al, 2004).
Referências:
BORGES, Karen Selbach; NICHELE, Aline Grunewald; MENEZES, Crediné Silva de. Formação Continuada de Professores Através de Comunidades de Prática: um Estudo de Caso. Revista Brasileira de Informática na Educação, Volume 24, Número 2, 2016.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FUKS, Hugo; GEROSA, Marco Aurélio; RAPOSO, Alberto; LUCENA, Carlos. “O Modelo de Colaboração 3C no Ambiente AulaNet”. Informática na Educação: Teoria e Prática. Vol. 7, No. 1, Porto Alegre, 2004.
LIBANÊO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.
SCHMITT, Marcelo Augusto Rauh. Ferramentas de projetos como recurso de aprendizagem. Tese (Doutorado em Informática na educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação, Porto Alegre, p. 138, 2011.
VEIGA SIMÃO. Ana Margarida da; et al. Formação de professores em contextos colaborativos. Um projeto de investigação em curso. Sísifo/ Revista de ciências da educação. Nº08. Jan./abr. 2009.
WENGER, Etienne. Conceptual tools for CoPs as social learning systems: boundaries, identity, trajectories and participation. In C. Blackmore, Social Learning System and communities of practices, Springer, Londres: 2010a. p. 125-143.
WENGER, Etienne. Communities of practice and social learning systems: The career of a concept. In C. Blackmore, social learning systems and communities of practice, Springer, Londres: 2010b. p.179-198.
WENGER, Etienne; WHITE, Nancy; SMITH, John D.; ROWE, Kim. Technology for communities.CEFRIO Book Chapter v 5.2 – Jan 18, 2005.
No contexto educacional, considero que as tecnologias encontram-se como importantes ferramentas que auxiliam o fazer docente. Através da mesma é possível comunicar-se com os colegas de turma, relatar experiências, fazer questionamentos, elaborar documentos que nem sempre os profissionais conseguem realizá-lo de forma conjunta presencialmente.
O texto apresentado foi muito bem elaborado, abordando de forma clara e objetiva o funcionamento das comunidades de práticas nas instituições.
Excelente abordagem e segue exemplo para demais estudos na área.